segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O ENCANTADOR DE INDOMÁVEIS


Em um dia estranho, mais estranho do que qualquer dia sobre a terra mágica de Angle, surgiu um poderoso mago, um ser só antes imaginado nas lendas...
Nosso mundo era um lugar mágico, habitado por seres mitológicos e com diversos poderes. Neste mundo eu era uma simples bruxa.
Chamava-me Milah e era filha de um casal de bruxos poderosos, mas não herdei grande domínio sobre a magia, poucos eram os feitiços que conseguia executar.
Quando me tornei uma jovem bruxa descobri meu verdadeiro poder: controlar os outros seres e seus dons. Logo fui descoberta pelos Antigos Anciãos, bruxos poderosos e sombrios que controlavam nossa terra, observavam tudo e todos e impediam que a magia fosse utilizada em benefício próprio, assim como impediam que nós saíssemos da nossa dimensão sobrenatural em direção ao mundo onde a magia não passava de ficção e estórias contadas às crianças antes de dormir.
Nós bruxos vivíamos exilados em outra dimensão, em uma ilha chamada Ilha Suspensa. Nela existiam diversos seres mágicos, cada um em sua própria terra, sem contato entre os mundos. A nossa terra chamava-se Angle.
A função de uma guardiã era ajudar aos demais, mostrar as regras e tentar assegurar a harmonia entre os mundos e seres, impedindo que os poderes fossem usados de maneira perigosa.
Uma guardiã deveria ser forte, racional, fria e sempre imparcial, neutra. Devia observar, controlar, ouvir. E, se fosse o caso, julgar e punir os mal feitores ao comando dos Antigos.
Um bruxo não podia treinar para ser um guardião, ele era escolhido e deveria aceitar a uma grande honra. E assim fui escolhida e me tornei uma guardiã, sem imaginar o que isso representaria ao longo do tempo...
Era nosso dever manter o equilíbrio do nosso mundo, fazer justiça. Infelizmente, só podia existir um guardião a cada ciclo de 100 anos. Agora era a minha vez. Cabia a mim esta missão e não poderia dividi-la com ninguém mais. Era um fardo muito pesado...Uma guardiã devia ser justa e atenciosa, porém fria e solitária. Para poder ser racional e imparcial, devia seguir sempre sozinha, sem envolvimentos sentimentais que pudessem atravessar suas decisões.
Eu desempenhei minha função com destreza e eficiência até o dia em que algo novo surgiu.
Em um dia estranho, o céu tornou-se negro em pleno dia... um eclipse surgiu em nosso céu, escurecendo tudo...e uma estrela cadente caiu sobre nós!
Eu estava no campo e a vi caindo lentamente, uma estrela absoluta, plena em brilho e mistério. Eu não sabia, naquele dia, que a estrela guardava em seu centro o coração daquele mago misterioso...
Ao cair no horizonte a estrela se partiu em muitos fragmentos de rocha espacial e, naquele momento, nasceu na terra de Angle um ser diferente de tudo!
No local onde a estrela caiu, fez-se uma imensa cratera. Todos os bruxos que avistaram a estrela caindo seguiram para o local. Eu, como guardiã, tinha de observar mais de perto o fenômeno nunca visto e determinar se havia perigo.
Chegamos e olhamos no interior do imenso buraco e lá estava ELE!
Ele não nasceu como todos nascem, pequenino e frágil...Ele nasceu da terra, brotou do solo como uma flor rara e bruta! Ele não estava usando roupas, seu corpo era coberto por uma radiação intensa, que cegava a todos.
Um dos Antigos foi até ele e o cobriu com um manto. Foi então que percebemos...Ele não brotou do chão, a estrela e o mago eram apenas um, a estrela o fez surgir, como a mais antiga e poderosa magia nunca vista por nossa geração.
Ele havia surgido do nada, como uma estrala cadente, misteriosa, cruzando o céu, cruzando o céu do meu universo trazendo uma estranha luz, intensa e misteriosa, porém efêmera em sua beleza...era o desconhecido.
O nome dele era Zíon.
Ele passou a viver entre nós, apesar da minha resistência, como guardiã...era minha a função desconfiar do desconhecido. Era misterioso e fascinante, mas também perigoso. Sua habilidade com as palavras e o domínio da mente de outros seres o tornavam admirável, porém, assustador.
Rapidamente ele ganhou confiança entre os bruxos de Angle.
Depois que ELE surgiu, nada mais foi como antes...
Ele rapidamente aprendeu sobre nossos costumes, poderes e tradições. Interessou-se pelas regras e em conhecer nossa filosofia e metas. Mesmo com minha constante advertência e oposição, ele passou a integrar o Conselho dos Antigos. Era inteligente e ardiloso, ganhando a confiança de todos os bruxos poderosos de Angle.
Eu o observava à distância. Algo me dizia que ele era perigoso. Ele realmente era como uma estrela cadente, tudo nele era muito rápido. O seu surgimento, popularidade e integração ao nosso mundo. Aquilo não parecia respeitar a ordem, o equilíbrio.
Mantive distância.
O tempo passou....Eu já não o vigiava como no começo. Acabei por ocupar-me com outros "perigos", muitos precisavam da minha habilidade em "solucionar" problemas e conflitos.
Ele ganhava força e prestígio entre os meus.
Apesar de dever me aproximar dele para poder melhor compreendê-lo e me prevenir contra os perigos que ele trazia, eu me afastei. Um sentimento que nunca havia passado em meu coração surgiu: medo. Eu não sabia explicar o que temia, mas meus instintos de guardiã me avisavam que deveria manter distância de Zíon e tudo o que ele representava.
Mas, lutar contra o destino não é tarefa fácil, em verdade, é uma tarefa fadada ao fracasso. Como nadar contra uma correnteza? Meus braços cansaram de lutar e eu já não tinha forças para ir contra todos que o consideravam o mago mais importante da ILha Suspensa. Parei de resistir e nada mais falei contra ele.
O tempo passou e, finalmente, Zíon alcançou o mais alto posto em nosso exército defensor. Ele tornou-se o comandante da nossa Armada. A Armada era uma espécie de exército mágico com a função de lutar caso houvesse uma guerra entre as várias terras do nosso mundo.
Indiretamente, as ordens de Zíon refletiam em mim. E minhas ações refletiam nele. O embate era inevitável.
Zíon devia estar me estudando como eu havia feito com ele antes...Ele aguardava algum sinal...alguma coisa que mostrasse o caminho a seguir.
Ao invés de buscar o combate, como pensei que ele faria, ele se manteve misterioso, distante, precavido. Ele devia conhecer meu dom e saber que um embate direto não seria bom para ambos. Ele sabia que minhas palavras tinham efeito sobre os demais e sobre as decisões dos Anciãos. Eu poderia persuadi-los a ir contra as ações de Zíon. Eu poderia até mesmo conseguir acabar com Zìon.
Mas agora era tarde...se eu tivesse feito isso no começo, teria sucesso, mas deixei que os bruxos mais antigos do Conselho decidissem...era tarde para bani-lo da ilha. Eu teria de ficar de longe, atenta, observando se ele representava perigo e pronta para agir caso fosse necessário.
Após Zíon tornar-se comandante, o inevitável aconteceu. Tivemos que nos aproximar. Discutir as questões de segurança de Angle era prioridade. Eu não poderia fugir da minha função, nem dele.
Era uma tarde chuvosa e fria quando Zíon me procurou pela primeira vez. Eu estava sentada sob um carvalho, meditando, quando ele me interrompeu. Ele queria estabelecer contato, já que eu era a guardiã e ele o Comandante da Armada. Apesar de natural, o encontro me deixou pensativa.
Ele era completamente diferente do que imaginei. Não era seco, nem inculto, nem tedioso, nem previsível como muitos dos bruxos da Armada. Ele era o oposto disso. Era como um camaleão, pronto para moldar-se à paisagem. Ele parecia me observar e querer entender minhas "expectativas". Todas as palavras eram pensadas friamente, ensaiadas em sua mente antes de serem proferidas a mim. Era como um jogo.
Ele estava me "estudando" para se ajustar ao que eu queria que ele fosse!
Me assustei ao perceber o quão ardiloso e dissimulado aquele mago parecia aos meus olhos. Mas era um jogo para bons jogadores e o desafio sempre fascinou os guardiões, eu não era imune a um bom mistério.
O mistério não era a estratégia que ele usava, isso eu podia perceber claramente, meu dom de controle e minha mente racional identificaram a artimanha, mas o mistério era outro...O que ele queria? Qual a intenção por trás da estratégia?
Resolvi jogar. Só assim saberia o que ele desejava.
Todo jogo tem suas regras, mas neste as regras não estavam escritas...tudo poderia acontecer...e eu não queria perder! Eu só não imagina que perderia muito mais que uma simples "partida"...
O tempo passou e Zíon ao invés de recuar com meu humor sarcástico e minhas palavras formais e superficiais se aproximava a cada dia. Sempre cortez, incapaz de um gesto deselegante. Contido, educado, culto...
Eu tentava encontrar uma falha, um deslise, mas não havia nada.
Passamos por algumas batalhas, crises e as ações de Zíon eram sempre precisas, quase irretocáveis. Cada vez mais sua liderança se consolidava entre os bruxos. Eu não tinha elementos para continuar resistindo às evidências, e elas apontavam em uma direção: Zíon era BOM!
Ele não parecia ter falhas, ele era sábio, justo, culto, gentil. Ele não escorregava em seus atos, mas era escorregadio quando o assunto era pessoal. Ele era o mistério personificado. E o mistério era o elemento que mais atraía uma guardiã, pois nosso destino era vigiar, observar tudo que fugia à nossa compreensão.
Passamos a nos ver e conversar constantemente, era nossa função debater, estudar estratégias e discutir assuntos dos mais variados. A inexorabilidade do tempo era nossa inimiga. Ao lado dele, o dia caminhava em segundos.
Uma guardiã era uma bruxa diferente, não era boa em feitiços, não possuía muita força física, nem mágica. Mas era dotada de raciocínio lógico e uma percepção aguçada. Isso nos fazia extremamente úteis aos demais, pois conseguíamos nos distanciar do universo mágico e agir com frieza, porém nos tornava o alvo preferido de ataques. Um dia Angle foi atacada por guerreiros vizinhos.
Próximo à Ilha Suspensa havia um desfiladeiro onde habitavam Os Demons, demônios incoorporados e que praticaram o mal durante a vida carnal, podiam assumir qualquer forma, humana ou não.
Os Demons eram criaturas cruéis, sombrias e que tinham como único prazer semear todo tipo de maldade sobre as Terras mágicas, eles existiam em função do mal e dele se nutriam.
Eles nos atacaram, como faziam há séculos. Em nossa dimensão o BEM e o MAL deviam coexistir e opôr forças. O ataque surpresa foi durante a noite, nesta noite eu estava distraída, juntamente com os demais guerreiros, ao redor da grande fogueira em um ritual místico, pois um bruxo antigo deixou nosso universo, ele foi para outro plano existencial. Todos estavam concentrados e os Demons atacaram sem piedade, matando vários bruxos.
Um deles chegou a mim e sentiu que eu era a guardiã. Ele não tinha força para me destruir, então propôs uma troca: ele e os outros demônios deixariam nossas terras se eu me entregasse ao líder deles.
O que ele não sabia é que uma guardiã não é escolhida aleatoriamente.
Havia um motivo para eu ser uma guardiã. Ao contrário de Zíon e dos demais, eu não era boa. De tempos em tempos nascia um bruxo ou bruxa que possuía o coração gelado e negro, como os ancestrais. Por isso lhe era negado o domínio pleno da magia, pois a usaria para o mal ou poderia usar a bruxaria de uma maneira a causar grandes problemas para os demais. Apenas restava aos "escolhidos" a frieza, racionalidade e intensa percepção do universo ao redor. Por isso éramos os guardiões, pois o SENTIMENTO não interferia em nossas decisões, em nossa função de julgar e punir. Não havia em nós a necessidade de afeto, nem sentimentalismo. Era contraditório, nascemos para ajudar, mas não tínhamos conhecimento sobre o AMOR.
Nunca uma troca foi proposta antes, nunca um guardião teve que se sacrificar pelos demais! Eu gargalhei da proposta ridícula!
Por que eu me entregaria? Por que me sacrificaria a queimar no fundo do desfiladeiro em chamas se nenhum sentimento me prendia aos demais? Eu devia resolver problemas, julgar e punir, não tinha que me oferecer para salvar ninguém! A frieza em meu coração cresceu e pensei em destruir o Demon que ousou me propor tal absurdo (eu tinha poderes mais intensos contra os inimigos, só não tinha contra outro bruxo).
Mas, antes que minha varinha tocasse o chifre dele, olhei por cima do seu ombro e avistei Zíon sendo capturado e os Demons ao redor dele, tentando desmembrá-lo (era assim que eles matavam). Percebi que Zíon seria destruído, ele não tinha como lutar contra todos e seu rosto espelhava dor e resignação. Ele parou de lutar, estava esperando pela destruição.
Naquele momento algo se partiu, ouvi um som seco e estalidos dentro do meu peito, era como se existisse uma casca em volta do meu coração e ela foi destruída, arrancada, deixando o vermelho intenso e brilhante exposto. Pela primeira vez em minha existência não agi com racionalidade e neutralidade. Minha vontade irrompeu, pela primeira vez eu pensei não apenas em mim como uma guardiã e no que era correto, nas regras e conceitos que eu tinha dentro de mim, tive certeza de que deveria agir com impulsividade, seguir o estranho desejo de ajudá-lo. Parecia que a destruição daquele mago levaria alguma parte de mim caso eu não fisesse algo.
Disse ao Demon ao meu lado que aceitava o pacto.
Fui levada por eles para o desfiladeiro e lá ardi no fogo por cinco dias, eles pararam o ataque a Angle em troca da minha alma. A alma de uma guardiã devia valer muito para eles...
O que eles desconheciam, e nós bruxos também, era que o fogo que queimava nas profundezas não conseguia consumir a alma de uma guardiã. Mas as chamas me queimavam invisivelmente, o sofrimento era intenso. Permaneci prisioneira dos demônios. Enquanto isso, Zíon reorganizou nosso exército e planejou me resgatar.
Em uma noite de lua-cheia, partiram da Ilha Suspensa e foram ao desfiladeiro. A luta foi sangrenta. Muitos foram destruídos, em ambos os exércitos!
Zíon desceu ao fundo do percipício e me encontrou.
Nosso olhar se cruzou por um breve instante de alegria e dúvida. Como uma louca, tive vontade de me libertar das correntes encantadas e invisíveis que me prendiam à rocha e correr para abraçá-lo!
Senti o corpo dele vacilar como se ele espelhasse o meu gesto, ele parecia que queria correr em minha direção também! Mas, segundos depois, veio a hesitação.
Parecíamos voltar à "realidade" que sempre nos separou, como se um tapa fosse dado em nossas faces para nos lembrar. Não fomos feitos para o AMOR, nem para ficarmos juntos.
Éramos seres diferentes e com missões que não deviam envolver sentimento.
Mas contrariando toda a lógica e as previsões mais otimistas que eu tinha, ele correu, praticamente voou ao meu encontro e me abraçou, um longo abraço, silencioso.

Senti, pela primeira vez, que eu tinha alguém reservado para mim, aquele que pensei ser o que me dominaria e representava perigo...Eu que sempre fui fria e indomável, parecia presa naquele abraço encantado, eternamente...

Depois deste momento sublime, com meu coração que já havia perdido a sua armadura e agora parecia voltar a pulsar, olhei para os olhos azuis dele, mas ele desviou o olhar e apenas me libertou das correntes usando magia (o que ele sabia fazer melhor que qualquer outro mago).
Não houve toque, não houve mais abraço... Agradeci com uma reverência e partimos para Angle. Não falamos nada.
Depois disso ele se afastou. Dias passavam, meses...
Um dia Zíon anunciou que partiria em uma missão secreta, fundamental para manter nossa segurança no futuro. Os Anciãos sugeriram que ele me levasse, pois eu era a guardiã, mas ele disse que minha permanência era fundamental em Angle, para segurança de todos.
Senti raiva, ódio como nunca havia sentido! Mais uma vez o destino me privava de sentir, de provar o néctar mais valioso do nosso mundo, de todos os mundos e eras.
Eu não merecia ser feliz? Nenhum sentimento havia sido reservado para mim? Só obrigações e a eterna vigília? Eu não podia sonhar?
Mas ele não me deu explicações, ele nem ao menos se despediu.
Um dia acordei e ele não estava mais. Ele havia partido, sem mencionar quando ou se voltaria um dia.
Como ele surgiu, ele sumiu. Como a estrela cadente que o "trouxe", meteórica, arrasadora, um espetáculo de luz e mistério que se apaga rapidamente, deixando olhos desejosos de apreciar mais e mais...
Eu tentei entender e acreditar que ele fez o melhor, o possível.
Imaginava se ele sentiu, em algum momento, o que eu senti. Mas só havia suposições, ele não me deixou nada, nem um adeus. Só me restou acreditar que ele tinha um MOTIVO.
Logo minha tristeza e angústia, transformaram-se em SAUDADE.
Lutei contra tudo o que tentava me dominar e me afundar em tristeza. Quanto mais lutava, mais me sentia incapaz, fraca.
Eu só não sabia que o meu coração de guardiã me dominaria. Ele era mais forte do que eu. Ele queria regenerar-se, curar-se, ele não queria sentir o que minha mente lhe ordenava.
E, apesar de lutar, ele venceu. Ele queria acabar com o sentimento que passou a morar nele.
Depois de meses sem notícias, decidi e convenci os Anciãos que eu deveria seguir em busca de Zíon.
Mas eu não fazia isso por vontade própria, meu coração negro que ordenava. Ele queria sua casca de volta, a armadura. Ele não queria mais esperar...
Parti e iniciei uma complicada e dolorosa busca. Zíon parecia ter sumido, voltado para o lugar de onde veio, mas, que lugar seria este?
Percebi que nada sabia sobre aquele SER mágico, NADA. Eu nunca soube mais do que ele me permitiu saber. Ninguém sabia quem era o mago que surgiu das estrelas...e o que ele desejava. Eu não sabia onde e o que procurar. A ira crescia em meu peito, meu coração congelado queria vingança, justiça, punição!!
Mas o que ele fez? Qual o seu pecado?
A resposta racional era uma só: NADA. Ele não fez nada.
Mas eu sentia-me traída. Sentia que Zíon me cativou, me conquistou lentamente e partiu, deixando só um deserto para trás.
Este deserto era meu coração e ele ordenava que eu voltasse a ter sede de justiça! Não para caçar e destruir, mas para punir e eliminar do nosso mundo o ser sedutor, o ser perigoso e desconhecido. Alguns seres que abusam do seu poder e mistério.
Mas, em verdade, meu coração só estava machucado e não sabia como curar-se, ele queria gritar por ajuda, implorar para que eu devolvesse a sua armadura, mas eu não sabia como fazer isto...não fui preparada para entender e agir com sentimentos, só com a razão.
Julgavam-me sempre como uma bruxa forte e determinada, uma caçadora!
É... uma bruxa forte e determinada....Esperaram isto de mim, sempre.
Comecei julgando sem pensar, só porque tinha ordens e achava correto destruir os seres sombrios, afastar o "mal".
Mas, ao contrário do que vemos em geral, na nossa imortalidade, ao invés do SENTIMENTO cegar-me e deixar-me fraca, fez com que enxerguasse o caminho certo, a verdade! (Pelo menos a verdade que meu coração gelado precisava para continuar existindo).
Um raro caso onde o sentimento não confunde os sentidos. hahaha
Voltar a ser o que era...Ser a matadora impiedosa por um dia...isso seria o suficiente para destruir o mal já provocado? Seria suficiente para eu voltar a ser como antes?
Corri em busca do meu algoz...Corri toda a terra mágica da Ilha Suspensa e de Angle. Não havia mais nenhum lugar para ele estar escondido.
...Saltei por entre as muralhas que protegiam os limites mágicos do nosso mundo, a MURALHA DE BERNIM, a chuva lambia meu corpo forte e imortal.
Finalmente rastreei o aroma do traidor.
Ele havia cruzado os limites! Ele tinha ido para o mundo humano! Traidor! Isso era proibido! E pior!! Ohhhh...ele havia violado a regra que o condenaria à destruição!
E EU teria que puní-lo. Esta era a minha função, ele sabia disso. Ele sabia que EU teria de matá-lo caso o encontrasse!
Pensei em retornar e esquecer, mas a ira era maior...
Ele estava perto, muito perto, eu podia sentir...
Finalmente eu poderia tê-lo em minhas garras, olhar em sua face e perguntar tudo o que sempre desejei saber antes de matá-lo com uma das minhas balas de luz ultravioleta (uma invenção moderna para matar semelhantes).
Logo que cruzei a linha imaginária, o limite entre as duas dimensões, eu o avistei, parado, imóvel.
Ele esperava por mim, ele sabia que eu o encontraria e ele esperava por isso.
Ele havia planejado aquilo?
Não! Não podia ser tão frio...Ele também sentiu, ele sentiu o mesmo que eu naquele dia, no desfiladeiro...Eu precisava acreditar nisso.
O vulto do inimigo se movimentou através do grande campo florido de lavanda.
Ele se aproximou. E não senti mais o cheiro dele, só a lavanda invadindo tudo, colorindo e confundindo as sensações.
Sua voz aveludada, forte e sedutora quebrou o silêncio mortal.
Ele pronunciou meu nome, mas agora era tarde, nada poderia me deter, iria matá-lo para que sua sedução não destruísse mais ninguém.
Com um dardo envenenado o paralisei e me aproximei do corpo estendido no tapete lilás de flores.
Ele me olhou com ternura e não se moveu, ele deseja a morte, morrer pelas mãos da sua vítima.
Inclinei-me para ouvir as últimas palavras do mago dissimulado antes de atirar contra seu coração congelado e acabar de uma vez com a dor, dele e minha.
Como em um último julgamento, recordei o motivo para eu ter que matá-lo, ele ter cruzado o limite, a muralha.
Mas não tive coragem para falar do outro "crime", do que ele cometeu contra mim, roubando meu coração...Aproximar-se da vítima indefesa, seduzí-la e destruí-la.
Assim ele praticou seu crime mais inocente, eu era forte por fora e indefesa em meu íntimo.
Mas nenhum dos dois sabia disso. Não havia crime ali, pensei. Mas, estranhamente, ele queria a morte e eu desejava matá-lo. Como em um último ato de resignação, nós dois sabíamos que jamais poderíamos viver aquele sentimento, inconscientemente partimos para a única coisa a fazer.
Seria a única?
Nada a declarar. Ele não se defendeu.
Minha dor aumentou e meu peito se encolheu, pois eu não teria nem ao menos uma resposta para os motivos dele, para ele ter ME escolhido como sua vítima. Eu, a guardiã forte e determinada, blindada contra o sentimentalismo...a caçadora impiedosa...
Por que se ele sabia que não poderíamos?
Talvez ele quizesse morrer em grande estilo... Seduzindo aquela que o mataria. Ele foi o mais terrível dos seres, pois era meu dever destrui-lo, mesmo sentindo que aquilo me destruiria também!
Eu não poderia fugir do meu destino, da minha função.
Ele me olhou e eu não consegui entender a expressão em seu olhar, era sofrimento ou alívio?
Mas nenhuma palavra saiu da boca do meu inimigo que me explicasse algo, apenas o meu nome sussurrado e ele cerrou os seus olhos azuis pela última vez antes que a minha bala brilhante como néon atravesasse o espaço entre nós...
Milahhhhhhhhhhhhhhhh
Mas eu não tinha coragem de matar o único que conseguiu alcançar meu coração fechado e indomado!
Antes de disparar, fiz com que o traçado da bala desviasse do corpo dele, caído na grama.
Ele esperava pela morte, mas ela não viria por minhas mãos, não! Eu me recusava!
Ele abriu os olhos sem nada entender.
Ele levantou-se depois que o efeito do veneno paralisante cessou.
Ele ergueu seu corpo e não me olhou, parecia não ter coragem...
Eu desejei ver aqueles olhos azuis outra vez, mas ele não me deu este último alívio.
Ele virou-se e começou a caminhar, lentamente, como um condenado caminha para a execução, para o FIM. Ele andou, andou...mas não olhou para trás.
Quando ele estava longe e eu só podia ver o contorno do seu corpo contra a luz do sol se pondo, ele voltou-se em minha direção e ergueu a mão em um último gesto de adeus.
Me espantei ao ver que em sua mão havia uma rosa vermelha em punho...ele a beijou e jogou em minha direção e sumiu entre as pastagens e entre os ramos altos de lavanda...
Fiquei ali, mortificada, imóvel.
Depois de alguns segundos, ouvi uma forte explosão e depois um clarão fez parecer que o sol não havia se posto! Tudo virou luz e som!
Olhei para o céu tentando encontrar a origem da intensa luz que eu via brilhar...e lá estava ela, uma ESTRELA belíssima, brilhando absoluta e imensa onde antes só havia a escuridão do céu...misteriosa.
E, então, pensei que ele devia estar me olhando lá de cima...ele voltou para o seu verdadeiro lar...


San Venture

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