quinta-feira, 26 de novembro de 2009
A HUMANA EM MIM...
A humana em mim
Conheci há muito séculos um vampiro tradicional. Sabe aquele vampiro que traz a sede no olhar? Aquele que olha em seus olhos e sustenta o olhar até você não sentir mais o seu corpo, até suas pernas tornarem-se fracas e parecer que o mundo está girando?
Sim, assim era este vampiro. Se ele carregava em seu interior esta força arrasadora, a aparência não era diferente, era melhor!
Jovem, sedutor, sagaz, a anatomia esculpida com detalhes tentadoramente desenhados...Iluminando-lhe a face havia um par de jades, olhos felinos e famintos, desejando ver através da mente de quem ousasse encará-lo por mais que segundos. Um verde paralisante, um ar de superioridade sem querer ser superior, naturalmente forte e dominante.
Voraz! Assim era este ser.
Incontrolável, assim me parecia sua sede.
Uma vampira racional, dura, fria....alguns dos adjetivos que já me atribuiram..rsrsrsrs Mas, gosto de pensar em mim como precavida e astuta, afinal, não fui criada ontem... E foi isso que fiz ao conhecer tamanha força da natureza. Resguardei, protegi, afastei-me.
Ele era o desconhecido e isso representava: perigo.
A força que emanava dele me assustou. Firme, direto, impenetrável, obstinado e por que não dizer, indestrutível.
Alguém que só é visto a cada milênio de criações, um ser único, solitário em sua essência.
A vampira forte e destemida que havia em mim, temeu.
Temeu ainda mais quando este ser único se aproximou dela. Ele inicialmente usava máscaras e evitava tirar o seu elmo e mostrar sua face.
Apenas os olhos jade apareciam sob a armadura do vampiro guerreiro e já causavam distúrbios desconhecidos em meu corpo.
Um dia, enquanto chovia muito, e só nós estávamos na floresta, ele olhou fixamente para mim, como a examinar mais uma de suas presas.
Senti meu corpo gelar. Como podia ser? Eu estava com medo?
Sim. Eu estava e não adiantaria negar a mim mesma.
Medo.
A humana em mim, o que sobrou do meu coração ainda pulsante, mostrou-me que, diante daquele vampiro belo e assustadoramente sedutor, eu não passava de uma humana, por mais que a vida já estivesse extinta em mim!
Não havia mais razão, dureza, frieza!
Meu dom, minha força, minha razão, nada restaria se eu me permitisse. Eu não devia ceder ao chamado que vinha do verde-mar profundo dos olhos felinos me encarando. Ele queria me tragar, me beber inteira.
Ele seria como um furação se eu permitisse que ele me envolvesse. Não restaria mais nada no lugar! Só caos, desordem, meu centro seria abalado como em um terremoto.
Quando ele percebeu minha hesitação diante do olhar que parecia despir-me completamente ao simples movimento ondulado das suas pupilas imensas, ele sorriu.
Um sorriso sarcástico e maldoso, porém...delicioso!
Ali estava a fonte! A fonte de tudo! Do meu medo, da atração, do desejo.
Ele retirou a armadura que cobria seu tórax, seu peito liso e forte reluziu ao toque e escorrer da água fria da chuva. (Pensei que as gotas evaporariam!).
Em uma visão que parecia em câmera lenta... ele arrancou o elmo dourado e o jogou na grama, deixando seu rosto livre, intenso.
Ele sabia do poder daquela revelação, afinal, quem não desejaria um deus grego?
Ele sacudiu o cabelo longo e claro em um movimento frenético, rápido, lançando seu suor misturado à chuva em meu rosto inteiro...meus lábios sentiram o sabor!
Ele era...lindo! Incontestavalmente o vampiro mais belo que meus olhos já avistaram por estas planícies surreais!
Ao invés de correr e me lançar sobre o peito dele, derrubando-o sobre a grama até que nossos corpos afundassem num só abraço sobre a cama verde, recuei e abaixei o olhar.
Era a humana em mim outra vez.
Ela vinha me lembrar que ele era: DEMAIS. Demais para mim, demais para que eu o tivesse só para mim, demais para que eu o conservasse ao meu lado! Seria apenas um momento efêmero, nada mais.
Vampiros como ele apenas querem sugar, saciar, deliciar-se ao bel prazer da imortalidade...
Diante da guerra em mim, a humana venceu a vampira! Tão impossível como a Lua encontrar o Sol, a humana que morou em meu coração venceu. Ela me aprisionou nos meus receios, inseguranças...Ela me fez fugir e correr.
Correr para bem longe da tentação! Corra! Você é apenas mais uma.
Se eu ficasse ali, mais um segundo, estaria presa a ele para sempre.
E ele nunca seria só meu, não. Ele era mais, único, cobiçado..filho de um Rei. Ele poderia ter tudo, o mundo. Por que se contentaria comigo?
Eu não queria sofrer ao vê-lo saciar seu desejo e partir.
A humana que viveu em mim e que acostumou-se a pensar, a controlar, a defender-se para não ser magoada, venceu afinal.
Corri para bem longe, deixando-o com um olhar de descrença e interrogação...eternamente.
Sempre nos encontrávamos em nossas terras, mas nunca falamos sobre aquela tarde chuvosa onde ele revelou-se.
Catalizei toda a paixão do primeiro encontro em uma força maior que tudo: amor.
Não um amor imortal, tradicional, convencional e surreal!
Um amor leve, amplo e irrestrito. Libertador.
Assim, vendo-o e tendo-o livre, admirando-o na belaza da sua natureza selvagem e instintiva, eu sabia, em meu coração gelado e racional da vampira que voltou a reinar em mim, que ele sempre seria meu, pois teríamos sempre a imensidão da nossa imaginação...
E, quem sabe um dia, a humana em mim volte a comandar, e ao invés de exigir "fuja!", ela peça: "entregue-se!".
San Venture
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário